Builder.ai: O Caso do “Unicórnio de IA” que Nunca Utilizou IA

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A Builder.ai, startup fundada em 2016 por Sachin Dev Duggal, surgiu com uma proposta ousada: permitir que qualquer pessoa pudesse desenvolver softwares e aplicativos sem saber programar, por meio de uma plataforma no-code supostamente impulsionada por inteligência artificial. Com o apoio de gigantes como Microsoft, SoftBank, Insight Partners e Qatar Investment Authority, a empresa captou mais de US$ 445 milhões e atingiu uma avaliação de mercado de US$ 1,5 bilhão.

No entanto, o que parecia ser um exemplo de disrupção tecnológica revelou-se, anos depois, uma das maiores fraudes da atual onda de investimentos em IA.

A promessa: IA no desenvolvimento de software

A Builder.ai comercializava sua plataforma como sendo capaz de criar software automaticamente por meio de um assistente de IA chamado “Natasha”. Segundo a empresa, o sistema utilizava machine learning para montar aplicativos a partir de módulos prontos, otimizando o processo e reduzindo custos e prazos de entrega. A comunicação de marketing era centrada na ideia de que a “Natasha” poderia substituir equipes de engenharia completas.

Esse discurso posicionou a Builder.ai no epicentro da onda de hype em torno de IA generativa, especialmente após a popularização do ChatGPT em 2022.

A realidade: código manual por centenas de engenheiros humanos

Reportagens recentes revelaram que a suposta inteligência artificial da Builder.ai não existia. Segundo apuração da India Today e da Bloomberg, o backend da operação era, na verdade, sustentado por cerca de 700 desenvolvedores humanos localizados principalmente na Índia. Esses profissionais eram responsáveis por codificar manualmente os aplicativos encomendados, seguindo processos tradicionais de desenvolvimento.

Para os clientes, no entanto, a experiência era mascarada por automações parciais e respostas roteirizadas que simulavam interações com IA. A prática violava expectativas técnicas e éticas, já que os usuários eram levados a acreditar que estavam interagindo com uma tecnologia autônoma.

Fraude contábil: o esquema de round-tripping

Além da falsa representação tecnológica, a Builder.ai foi acusada de inflar artificialmente suas receitas em até 300%, utilizando práticas contábeis fraudulentas. O mecanismo envolvia uma série de transações com a VerSe Innovation, empresa indiana proprietária da plataforma DailyHunt.

Segundo fontes internas citadas pela Bloomberg, a Builder.ai e a VerSe teriam criado contratos fictícios de prestação de serviço, gerando entradas de receita que, na prática, nunca se materializaram. Essa técnica, conhecida como round-tripping, é usada para simular crescimento, criar aparência de saúde financeira e atrair novos investidores — o que pode configurar fraude e lavagem de dinheiro.

Colapso e consequências

Em fevereiro de 2025, diante das crescentes denúncias, Sachin Dev Duggal renunciou ao cargo de CEO. A empresa entrou com pedido formal de insolvência no Reino Unido em maio do mesmo ano, após ter US$ 37 milhões congelados por credores e restar apenas US$ 5 milhões em caixa.

Atualmente, Duggal é investigado por órgãos reguladores por fraude contábil e potencial lavagem de dinheiro. Segundo a Economic Times, processos estão em curso em múltiplas jurisdições, incluindo o Reino Unido, Índia e Catar.

Reflexões: hype, capital e vigilância

O caso Builder.ai ilustra um problema recorrente no ecossistema de tecnologia: a corrida por capital baseada em promessas não auditadas. No auge do hype da inteligência artificial, diversas startups têm sido avaliadas com base mais na narrativa do que em entregas comprovadas.

Embora o uso de operadores humanos como fallback para IA não seja, em si, uma prática incomum (por exemplo, no modelo conhecido como “human-in-the-loop”), a Builder.ai deliberadamente ocultou esse fato, atribuindo à tecnologia capacidades que ela não possuía — o que caracteriza má-fé e pode configurar crime.

Além disso, a confiança de investidores renomados no projeto evidencia uma lacuna grave nos processos de due diligence e auditoria técnica no setor de venture capital. A sofisticação do marketing, somada à complexidade da IA, tem facilitado o surgimento de “unicórnios de papel”.

Conclusão

O colapso da Builder.ai deve servir como alerta para investidores, clientes e desenvolvedores: nem toda empresa que se apresenta como orientada por IA, de fato, entrega soluções baseadas em inteligência artificial. Mais do que acompanhar tendências ou seguir promessas, é fundamental analisar de forma crítica as evidências técnicas e operacionais por trás de cada discurso.

A tecnologia, por mais transformadora que seja, não elimina a necessidade de ética, transparência e responsabilidade.

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